domingo, 27 de outubro de 2013

A CONDUTA ARBITRÁRIA DO FISCO E A CONIVÊNCIA DA JUSTIÇA BRASILEIRA AO INCLUIR O SÓCIO-ADMINISTRADOR DA PESSOA JURÍDICA INDEVIDAMENTE NO POLO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

A administração pública não está apta a trazer ao polo passivo da obrigação tributária ou redirecionar a execução fiscal para quem bem entender, pelo contrário, é sabido que o lançamento constitui o crédito tributário, donde se apurará a matéria tributável, o sujeito ativo e passivo, a base de cálculo a alíquota, sendo esses, critério material, pessoal, quantitativo e temporal que comporão a regra matriz de incidência tributária, a rigor do disposto no artigo 142 do CTN.

A responsabilidade dos sócios-administradores encontra-se restrita às hipóteses dos arts. 134, inciso IV, e 135, ambos do Código Tributário Nacional.

Logo, ressalvado o caso de liquidação das sociedades de pessoas, deve-se restar comprovado que os administradores responsabilizados atuaram como diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica e, nessa condição, agiram com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, sendo a obrigação tributária inadimplida consequência desses atos.

Nos casos onde se constata a dissolução irregular da pessoa jurídica, o administrador deve ser incluído ao polo passivo da ação, ou deve haver o redirecionamento da execução para si, haja vista ser este o posicionamento já consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, por edição da súmula 435[1]

A jurisprudência já se encontra pacificada no sentido de que deve ser observado os requisitos contidos no artigo 135 caput do CTN, vejamos:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. (grifado)

         Entende parte da doutrina que a responsabilidade pessoal contida no caput do artigo 135 do CTN não exime a pessoa jurídica do pagamento do tributo, nessa corrente Hugo de Brito Machado apud Eduardo Garcia de Lima expõe:

[...] dizer que são pessoalmente responsáveis as pessoas que indica não quer dizer que a pessoa jurídica fica desobrigada. A presença do responsável, daquele a quem é atribuída a responsabilidade tributária nos termos do art. 135 do Código Tributário Nacional, não exclui a presença do contribuinte.[2]

No sentido contrário ao entendimento supra, Maria Rita Ferragut e Luciano Amaro apud Eduardo Garcia de Lima, entendem ser a responsabilidade exclusivamente pessoal e, particularmente pactuo com essa corrente doutrinária:

[...] o terceiro responsável assume individualmente as conseqüências advindas do ato ilícito por ele praticado, ou em relação ao qual seja participe ou mandante, eximindo a pessoa jurídica, realizadora do fato tributário, de qualquer obrigação.[3]
 
Luciano Amaro apud Eduardo Garcia de Lima afirma que “[...] a responsabilidade pessoal deve ter aí o sentido [...] de que ela não é compartilhada com o devedor ‘original’ ou ‘natural’, e que “somente o terceiro responde ‘pessoalmente’.”[4]

Ademais, compactuo na linha de pensamento do E.STJ, o qual entende que a simples inadimplência da pessoa jurídica não é suficiente para ensejar a responsabilidade de seus sócios-gestores.

Outrossim, entendo que não há responsabilidade solidária entre a pessoa jurídica e, seus sócios-administradores, haja vista o teor clarividente do artigo 135 do CTN, donde se extrai, que a responsabilidade é pessoal. Portanto, no caso de conduta do administrador enquadrável numa das hipóteses do artigo 135 do CTN ou dissolução irregular (s.435 STJ), teríamos o deslocamento da responsabilidade para a pessoa física e, o correto seria excluir a pessoa jurídica.

A praxe corriqueira nos tribunais, inclusive nos superiores, quando se utilizam do artigo 124, inciso I, do CTN[5] para incluir os sócios-administradores como co-responsáveis, deve ser imediatamente cessada, haja vista que é dever do fisco provar que há interesse comum para a constituição do fato gerador do tributo.

Alguns questionamentos devem ser respondidos pelo fisco:
 
a)     Como provar que há interesse comum na situação que constitua o fato gerador de um tributo, quando há uma pessoa jurídica com personalidade própria e, que pratica o fato gerador descrito na hipótese de incidência (ex. industrializar produtos; circular produtos, exportar produtos, ...) com a de um administrador, que tão somente gerencia a empresa e, não pode ser subsumido aos critérios material, pessoal, quantitativo e temporal (RMIT) como sujeito passivo ou responsável da obrigação tributária?

b)    Nesse aspecto, qual o interesse comum na prática do fato gerador? Se a empresa dotada de personalidade própria faz sua declaração de imposto de renda (DIRPJ), recolhe os tributos conforme suas operações e atividades, (CSSL, IPI, ICMS, COFINS, PIS, ...) enquanto, seu sócio-administrador declara seu imposto de renda ao fisco (DIRPF), ou seja, cada qual com suas obrigações distintas e interesses que se contrapõem.

Provar que o administrador se enquadra na hipótese do artigo 124, inciso I, do CTN é o desafio para o fisco, aí sim, poderíamos comungar a tal responsabilidade solidária.

Provar que o administrador se enquadra numa das hipóteses do artigo 135 do CTN é o desafio para o fisco.

Sabemos que o fisco prefere inverter o ônus da prova e, faz com que ao co-executado incumba produzir uma prova “diabólica”, ou seja, impossível e, isso não é razoável ou proporcional.  Nesse sentido o E.STJ é conivente, pois tão somente considera para efeito do ônus da prova o seguinte: se o nome do co-executado está na CDA, incumbe a ele a prova “diabólica” da negativa de tais praticas, se não, incumbe ao fisco.

Absurdamente com base tão somente na certeza e liquidez do título executivo (CDA) presume-se ter havido processo administrativo e, apuração das responsabilidades, o que é inaceitável, já que a própria Lei de Execução Fiscal 6.830/1980, em seu artigo 41[6], resguarda ao magistrado a oportunidade de solicitar o processo administrativo para verificação.

Também não compactuo que haja responsabilidade subsidiária, pois o caráter da conduta do administrador, com intuito de fraudar ou sonegar informações ao fisco antecede qualquer conduta compatível com a personalidade da pessoa jurídica, ou seja, o ato doloso é exclusivamente praticado pelo administrador, portanto, esse deve ser responsável pessoalmente com seu patrimônio pela má conduta.

Também não vislumbro ou concordo com a responsabilidade subsidiária, pois se sabe que nesses casos, havendo descumprimento da obrigação por parte do devedor principal, outro sujeito responderá subsidiariamente. Ora se há má conduta do administrador (135CTN) que enseja sua responsabilização pessoal, esse sim deve ser elencado no polo passivo da obrigação, substituindo a pessoa jurídica que ficará isenta da responsabilidade, salvo se estiverem mancomunados para fraudar, contudo, incumbe ao fisco, segundo o artigo 116§único do CTN, “desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.” 

Como aceitar que a pessoa jurídica seja responsabilizada pelo descumprimento de uma obrigação originária da má-conduta do administrador e, que a lei diz ser pessoal?

No ponto de vista técnico redacional a responsabilidade subsidiária encontra-se descrita no inicio do artigo 134 do CTN, qual seja “Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte ...” mas, infelizmente o legislador acresceu um solidariamente que destoou o sentido da norma, dando margem a interpretações divergentes.

O tema sujeição passiva e responsabilidade na esfera tributária encontra-se aberto para debates e, tenho observado muitas decisões no âmbito administrativo e, judicial que contrariam a real conjuntura sistemática legal, inclusive diversas arbitrariedades são praticadas em todos os âmbitos, dentre essas, pessoas físicas são devastadas pelas “mãos fortes” do Estado representados pelos seus agentes negligentes ou imprudentes e, que sequer compreendem os princípios-garantias fundamentais Constitucionais que garantem a dignidade da pessoa humana e, muitos cidadãos são desapropriados de seus bens sem o devido processo legal (art.5,LIV, CRFB), já que normalmente a lide se dá no âmbito das execuções fiscais e, muitas vezes o co-executado sequer tem bens suficientes para garantir a execução fiscal e apresentar embargos a execução.

No ano de 2012 participei do XXVI CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO TRIBUTÁRIO do IGA-Instituto Geraldo Ataliba e IDEPE-Instituto Internacional de Direito Público e Empresarial, realizado nos dias 17, 18 e 19 de Outubro, no Hotel Maksoud Plaza em São Paulo-SP e, com o intuito de instruir e enriquecer meu tema de Monografia no Curso de Especialização em Direito Tributário, já concluído, cujo tema foi A responsabilidade tributária do administrador da pessoa jurídica, apresentado junto a Pontifícia Universidade Católica de Campinas, curso esse coordenado e ministrado com maestria pelo Professor Doutor José Antonio Minatel, questionei numa das oficinas, essa responsabilização tão confusa, já que buscava um norte para  descortinar o tema.

Para minha felicidade meus questionamentos foram direcionados ao Professor Renato Lopes Becho conhecedor do tema e, inclusive tal questionamento e resposta encontra-se na Revista de Direito Tributário de nº 119, publicada pela Editora Malheiros, às páginas 173/174. Foi um trecho da resposta dada que me incentivou a aprofundar os estudos e, utilizar profissionalmente na advocacia as ferramentas processuais que temos para o convencimento dos magistrados, segue abaixo:

“Se a base legal for o art. 135, repito, que seja retirada a pessoa jurídica. Pessoal, a maioria de vocês é advogado, não é? Eu acho que está passando da hora de levar uma questão para o Poder Judiciário. Perguntar para o Judiciário qual a distinção entre responsabilidade solidária, responsabilidade subsidiária e responsabilidade pessoal. ... Então, temos que fazer o Poder Judiciário declarar esses conteúdos. Eu conclamo a comunidade jurídica tributária brasileira a pedir ao Supremo Tribunal Federal uma declaração do que significam esses comandos. E passo para a segunda parte das questões do Tiago. (...) Ônus da prova. O ônus da prova não pode ser da pessoa física, não pode ser daquele que teve o nome incluído. Por quê? Porque é pressuposto do processo administrativo. Talvez seja o caso de se entrar com mandado de segurança quando o agente da fiscalização pede o nome dos sócios. Vá ao Judiciário, lá atrás, e diga assim: “Excelência, não vislumbro base legal para esse pedido feito”. Isso, eu pensei agora, não refleti com calma, mas quem sabe a gente consegue pensar juntos. E se o Judiciário for mantendo, levar isso ao Supremo Tribunal Federal. É uma forma de o Supremo dizer se isso cabe ou se não cabe.” (sic) (Revista de Direito Tributário. LOPES BECHO. Renato. Editora Malheiros. 2012. São Paulo. Páginas 173/174)

Há algum tempo o Escritório Delatorre Barbosa e Costa Advogados Associados, onde atuo na cidade de Mogi Mirim, Interior de São Paulo, tem conseguido êxito em diversos julgados e, instâncias, junto ao Poder Judiciário, principalmente no Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, inclusive, o intuito é levar as lides para serem dirimidas no Egrégio Superior Tribunal de Justiça e, Supremo Tribunal Federal, para assim trazer luz ao pertinente e problemático tema.

Temos debatido e muito a questão da responsabilidade do sócio, o qual na maioria dos casos, não tem poder de gestão, seu nome não esta na CDA e, sem as devidas provas do artigo 135 caput do CTN o fisco arbitrariamente o incluí no título executivo, ou solicita o redirecionamento da execução fiscal para ele, sem qualquer óbice o pedido quase sempre é acatado pelos magistrados em primeira instância, fato esse abusivo ao direito de qualquer cidadão, pois esse sofre uma devastação em seu patrimônio e, se vê num verdadeiro tsunami que atinge sua vida pessoal-privada.
 
Novamente estive no XXVII Congresso Brasileiro de Direito Tributário do IGA-IDEPE, realizado nos dias 23, 24 e 25 de Outubro de 2013,  no Maksoud Plaza em São Paulo-SP e, com mais argumentos mais sólidos e, conhecimento adquirido pelos estudos e, pelos frutos da monografia, mas, ainda com muitas interrogações e, inconformismo, questionei numa oficina de Processo Administrativo Tributário,  cuja mesa era composta pelos Senhores Fabio Soares de Melo, Paulo Campilongo, Paulo Fernando Souto Maior Borges, Tárek Moysés Moussalem e, Angela Mota Pacheco, a respeito do comportamento do fisco ao lavrar os autos de infração nos casos de responsabilidade pessoal dos administradores e, mais uma vez, houve muito desconforto e, participação maciça dos congressistas na questão, percebi ainda que há complexidade para o enfrentamento do tema e, que muitos dos componentes da mesa com toda vênia, se desvencilharam do cerne da questão. Sem desprezar é claro o posicionamento dos reconhecidos professores e juristas que compunham a mesa.

Desta forma, mais uma vez, me sinto motivado a perseguir esse tema e, a continuar a colher os bons frutos junto ao Poder Judiciário em prol da Justiça, inclusive, futuramente, o intuito é responsabilizar o Estado e seus agentes pelas arbitrariedades e, atos ilícitos praticados. Assim, serão obrigados a ressarcirem os danos causados aos cidadãos que arbitrariamente foram desapropriados de seus bens sem que houvesse respeito ao devido processo legal, principalmente ao princípio da ampla defesa e contraditório que evidentemente é mitigado no âmbito da execução fiscal.






[1] Súmula 435: Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.

[2] LIMA, Eduardo Garcia de. Responsabilidade tributária dos sócios e administradores na sociedade limitada. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2008. p. 118.

[3] LIMA. op. cit. p 119

[4] LIMA. op. cit. p 119

[5] Art. 124. São solidariamente obrigadas:

I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;

II - as pessoas expressamente designadas por lei.

[6] Art. 41 - O processo administrativo correspondente à inscrição de Dívida Ativa, à execução fiscal ou à ação proposta contra a Fazenda Pública será mantido na repartição competente, dele se extraindo as cópias autenticadas ou certidões, que forem requeridas pelas partes ou requisitadas pelo Juiz ou pelo Ministério Público.